Os jogos que não são para crianças
Estou falando de jogos de tabuleiro.
No mundo desenvolvido, em especial na Europa, e ainda mais particularmente na Alemanha, os desejos de adolescentes espertos e de adultos sociáveis já têm sido atendidos há algum tempo pelos empresários. Muitos brasileiros se interessam por esses jogos, mas são obrigados a importá-los, pois a vasta maioria dos títulos que circulam por lá não têm nem sequer uma versão em português.
A indústria de entretenimento está avançando muito no Brasil. O mercado de DVDs, depois de ter se estabelecido muito bem com os blockbusters e as comediazinhas de praxe, tem trazido cada vez mais filmes clássicos ou alternativos, de menor apelo popular que os lançamentos, mas com um público garantido. O mercado editorial também cresce de forma rápida, preenchendo lacunas históricas nas nossas prateleiras, e sua previsão para 2009 é de crescimento apesar do terremoto financeiro global. O mercado de jogos de computador já ultrapassou o do cinema, e o mundo inteiro já sabe que quem carrega o piano, ou melhor, que os guitar heroes desse universo são adultos ávidos pela diversão que seus pais lhe recusaram no passado.
O próximo bonde pode ser o dos jogos de tabuleiro.
A própria crise, real ou receada, não é motivo bastante para temer o investimento nessa área. O interesse pelo divertimento tende até a aumentar com os problemas financeiros. Um casal pode gastar facilmente de 50 a 100 reais em uma única noite que inclua um cinema e um jantar. Com um mesmo valor dentro dessa faixa, pode-se comprar um jogo inteligente e divertido, chamar os amigos e divertir-se inúmeras vezes.
No Brasil, o mercado de jogos ficou estagnado, parado no tempo. Nos anos 1980, houve muita abertura e experimentações. Diversos jogos da época se esgotaram, não foram reeditados e são bastante disputados em leilões online. Diplomacia, Escrete, Cartel, entre outros, são negociados acima de 200 reais. Não se trata de coleção de antigüidade. Cartel, por exemplo, é uma versão brasileira do Acquire, jogo ainda editado em outros países e muito bem cotado, ou seja, há pessoas que compram e jogam.
Porém, no Brasil, somente os grandes sucessos é que permaneceram. WAR, por exemplo, jogo baseado no Risk (que está completando 50 anos em 2009), ainda conta com edições no Brasil, apesar de ser ultrapassado: no site super-especializado Board Game Geek ele aparece em 4.014.º no ranking (!), com uma média de 5,49 pontos. Até agora ninguém pensou em lançar Axis and Allies, uma evidente evolução do WAR, que já existe há 28 anos e é um best-seller no exterior, e seria no mínimo uma opção interessante por aqui.
Existe no Brasil um problema real de percepção sobre o que é/pode ser para crianças e/ou adultos. Eu nunca entendi por que razão "Os Simpsons" passa aos domingos de manhã, na Globo, no meio de desenhos infantis. Tem um certo apelo adolescente, como quase tudo que é adulto, porém é de fato um programa para público maduro. Muito sintomático dessa miopia cultural.
No mercado de jogos, o exemplo mais claro que eu conheço é o de um produto lançado anos atrás pela Estrela, chamado Ponto de Equilíbrio. Trata-se de um interessante jogo de estratégia. É preciso pensar cuidadosamente em cada lance. Eu o recomendaria para acima de 12 anos, e tem apelo adulto semelhante, até certo ponto, ao Xadrez. Porém a Estrela diz que é para acima de 7 anos, e colocou duas crianças na capa, jogando. Fez o marketing como se fosse o Pula Pirata ou o Cai Não Cai. Resultado: o jogo é comprado para as pessoas erradas, que o põem de lado achando muito chato, e afasta as pessoas certas, que pensam se tratar de um brinquedo infantil. Depois a culpa do fracasso recai na "cultura do brasileiro"...
Por que o público adulto é esquecido, se é para eles que se destinam produtos como o Xadrez, o Sudoku, as Palavras Cruzadas? Sim, adultos também consomem entretenimento.
Na Internet, é espantoso o que conseguiu o site Ilha do Tabuleiro em menos de dois anos de existência. Especializado em jogos de tabuleiro, conta com mais de 4.000 usuários registrados, tendo recebido, em 2008, uma média de 52.000 visualizações de página por dia. Muitos desses usuários são adultos, casados, com filhos e profissão fixa. Estão espalhados por todas as regiões do Brasil, onde têm, em suas cidades, grupos ativos de amigos que se reunem para jogar. Alguns têm, como hobby, a criação de novos jogos.
Nas grandes cidades já existem lugares que investem nesse tipo de diversão. Em São Paulo, a luderia Ludus, criada há pouco tempo na Bela Vista, é uma espécie de bar com dois cardápios em cada mesinha: o tradicional mostra chope, batata frita, etc., enquanto o "cardápio de jogos" lista cerca de 400 jogos, a maioria deles importados. Os garçons trazem seu lanche, enquanto monitores estão lá para "servir" os jogos e explicar todas as regras para quem ainda não as conhece. Fui lá numa quarta-feira de janeiro, às nove da noite, e estava completamente lotado.
No momento em que uma novela das 8 mostrar um grupo bacana de adultos que se reúnem para jogar Carcassonne ou Ticket to Ride, a mudança será rápida. Assim mesmo, não seria difícil incentivar muitos jogos com apresentação em escolas de segundo grau, estratégia que há muito tempo vende variados produtos. Desse modo, pode-se ter a perspectiva de um negócio lucrativo em um mercado crescente e inexplorado.