quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Sobre o livro “A idade dos milagres”

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A Editora Paralela é um novo selo da Companhia das Letras. Achei um tanto heterogêneo seu catálogo, mesmo ainda com poucos títulos. Só comprei A idade dos milagres — título fraco e, aliás, inadequado — porque sua proposta me pareceu instigante e, de fato, dá vontade de ler rapidamente até o fim.

Romance de estreia de Karen Thompson Walker, logo na primeira página nos revela a situação: os cientistas descobriram que a rotação da Terra começou a desacelerar. Isso significa que, aos poucos, os dias começarão a durar cada vez mais. Não se sabe aonde isso vai chegar. Imagine a hipótese de um dia de 60 horas: 30 com sol, 30 na escuridão da noite...

Nesse sentido, é uma história que intriga a imaginação — como ocorre com os "filmes-desastre". Curiosamente, recordei-me da sensação de quando, lá pelos 12 anos de idade, li o livro A chave do tamanho, de Monteiro Lobato, em que Emília e todas as pessoas se veem diminuídas a poucos centímetros de altura.

Para fazer render um romance, a autora cria a história de uma menina, quase adolescente, que é a narradora em primeira pessoa. De certo modo, a trajetória pessoal dessa protagonista poderia ter sido construída em um romance que não tivesse esse pano de fundo tão especial. Um autor que pretendesse valorizar o fenômeno natural que é o pressuposto da história acabaria por focá-lo num cientista, por exemplo. A abordagem se deslocaria, num "espectro de gêneros", para o campo da ficção científica.

Embora essa seja uma consideração hipotética — afinal, o romance já está escrito —, não dá para negar que as partes mais interessantes sejam as que falam das consequências políticas e sociais mais amplas do fenômeno. Por exemplo, o conflito entre as pessoas que defendem o uso do "Horário do relógio", que se torna oficial, e o "Horário natural", que é dos rebeldes. Essa tensão geraria um delicioso debate, mas somos obrigados a ver a questão de uma longa distância.

Em minha leitura, portanto, há um descompasso entre a história e o contexto. Temos, no final, um romance somente agradável e interessante, que eu indico para quase qualquer tipo de leitor que esteja buscando um título curioso e relativamente curto. Um livro seguro para dar de presente a alguém.

Resenha também publicada no Skoob: conheça essa rede social de livros!

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

“Onde estivestes de noite”, Clarice Lispector

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Primeiro, um reparo superficial, mas que causou algum impacto negativo em minha leitura: desejando ler um romance de Clarice, guiei-me pela ficha catalográfica da edição da Nova Fronteira ("Romance brasileiro") e comecei a ler. Com a leitura percebi que se tratava de contos independentes. Mas, sendo Clarice, não havia por que nem como não prosseguir.

Considero um livro bastante irregular de Clarice. O manejo verbal é, claro, constantemente primoroso, mas pelo menos metade dos contos realmente não me agradou pelo desenvolvimento das ideias e pelas temáticas tratadas.

Se não for ousado demais dizer, parece-me um lançamento decorrente da pressão editorial por um volume. Lembro-me de que pensei o mesmo com um livro póstumo de Guimarães Rosa, em que enfeixaram tudo que ele quis esquecer dentro da gaveta e o resultado foi um trabalho bem inferior aos demais do autor.

Sinceramente, não me parece caber na embocadura da autora a brincadeira de referencial pop que ela insiste com exagero em determinados contos - sendo "O relatório da coisa" um dos maiores exemplos. Para mim, só funcionou no bom texto inicial, "A procura de uma dignidade", com a velhinha apaixonada por Roberto Carlos, citação única e delicada.

"A partida do trem", segundo conto do volume, também é ótimo, e dos mais representativos da consagrada feminilidade de sua imaginação.

"Seco estudo de cavalos" é inteligente e bem realizado.

"Onde estivestes de noite" foi dos que menos me agradou. Infelizmente não consegui vibrar na mesma frequência.

A partir daí, seguem basicamente contos bem breves.

O conto antológico deste livro é "Esvaziamento", uma breve abordagem sobre detalhes da "amizade", com tudo o que pode existir de profundo e de vazio nessa relação.

Dois curtos contos merecem menção também: "As águas do mar" e, principalmente, "Uma tarde plena", em que lemos sobre a singela presença de um saguim num ônibus, e temos alguma reminiscência do célebre conto "Uma galinha" (do livro Laços de Família), uma das maiores criações literárias que conheço.

[Resenha também publicada no Skoob.]