sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

O que você quer saber do disco da Marisa?

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Acompanho Marisa Monte desde sempre, não tardei a ouvir seu novo disco e vir aqui palpitar sobre.

Vá ao site oficial você também e ouça tudo sem complicação, veja as letras e saiba tudo o que você quer saber.

O QUE VOCÊ QUER SABER DE VERDADE é um bom disco, com algumas canções excelentes e outras nem tanto. Você vai encontrar uma sonoridade similar à dos discos anteriores — os detratores dirão que ela “está se repetindo”, mas eu não concordarei exatamente. Para mim, Marisa é um elo com a boa música popular tradicional, que vale a pena conservar. Não tem riscos nem arrojos, mas traz sempre novas canções agradáveis para ouvirmos.

Em seu benefício, destaque-se a versatilidade. Parece que cada música tem um ritmo diferente: é samba, é valsa, é bolero, é baião, é tango, é foxtrote e outros cujos nomes desconheço.

Mas são todas sobre amor, todas com um toque de ingenuidade — os detratores dirão “brega”. Algumas partes soam brega mesmo, soam até mesmo algo caipira bem antigo, mas isso não é novidade nela: “Amor I love you” já tem 11 anos e foi seu “hit” mais criticado por breguice.

Já estou fazendo concessões demais ao malditos detratores. Vamos de vez conferir o disco. Tem uma bela capa, clipes bacanas que você encontra no YouTube e, o que mais interessa, música boa. Para os impacientes, ouçam direto as minhas preferidas!

1) Ainda bem (Marisa Monte / Arnaldo Antunes)
2) O que se quer (Rodrigo Amarante / Marisa Monte)
3) Descalço no parque (Jorge Benjor)
4) Depois (Arnaldo Antunes / Carlinhos Brown / Marisa Monte)
5) Verdade, uma ilusão (Carlinhos Brown/A. Antunes/Marisa Monte)

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

O show de Truman — “túnel do tempo”

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Atualizações neste meu blog têm uma periodicidade larga — e tornou-se ainda mais demorada pelo fato de eu ter me mudado recentemente, o que significa muito tempo usado (não digo “perdido”) para encaixotamento e rearrumações.

A vantagem desse processo, além de jogar uma tonelada de tralha fora, é poder reencontrar algumas coisas do passado.

Há 12 anos escrevi sobre o filme Show de Truman e enviei para amigos e conhecidos por e-mail. Republico o texto aqui. O que me agrada nele é a reflexão sobre o “determinismo”, tema que tem me mobilizado bastante ao escrever, nesses anos todos.

TRUMAN SHOW
17/maio/1999

O show de Truman, filme dirigido por Peter Weir, será lançado brevemente em vídeo. Não o mandarei vê-lo (se não o viu) — afinal, não mando em ninguém. Ressalvo o caráter standard de sua produção, afora ainda algumas inconsistências mais brutais (a esposa como verdadeira prostituta full time e a tentativa de Christof de convencer Truman a voltar para o mundo no qual ele não acreditaria mais e em que, por isso, a novela não seria mais possível). Mas aludo a seu conteúdo, ou ao que se pode refletir a partir de seu enredo.

Truman é o símbolo do homem em um mundo determinista — problema metafísico ainda aberto. O filósofo Boécio defendeu com garra o livre-arbítrio: tentou mostrar que a presciência dos fatos futuros não é causa dos mesmos fatos, rechaçando o determinismo baseado no argumento de que, uma vez que Deus conhece o futuro, conseqüentemente ele seria predeterminado. Spinoza, por sua vez, considera Deus algo muito diferente ("é a totalidade do Universo") e diz que o livre-arbítrio é apenas uma ilusão dos homens, que não conhecem a real causa de seus atos. No filme, Truman foi colocado num ambiente determinista artificial. E devemos perceber que, se o mundo natural é determinista, vivemos como Truman. E, como Truman, sem saber disso.

Mas Truman desconfia de algo e passa a investigar. O remoto observador que um dia notou a circularidade no movimento dos astros previu um eclipse e pode ter julgado que, por inevitável, era um evento determinado. Truman notou, em torno de seu quarteirão, um movimento regular de fuscas e entregadores de flores. Mas ele — como ocorreria a muitos de nós — abomina a situação e quer salvar-se do determinismo. Como no filme esse ambiente é artificial, sabemos que ele tem uma chance, em especial por sua louca vontade de ir a Fiji.

Truman realmente foge do determinismo? Imagine o filme “Show de Truman II”, em que o espectador venha perceber que, ao sair da verdadeira “cidade cenográfica” em que vivia, Truman caísse, não no “mundo real”, mas numa segunda “cidade cenográfica” que englobasse a primeira, imensamente maior, onde Truman se creria de vontade livre, mas na qual a novela teria sua continuação. Não precisamos de “Truman II”. Poderíamos imaginar infinitas “cidades cenográficas”, e Truman não teria tempo — e, num momento, forças — para continuar escapando delas, como um “herói do livre-arbítrio”. É o que acontece conosco: não podemos romper os limites da física e da metafísica para saber o que se passa fora da nossa “cidade cenográfica” e como esse “exterior” interfere em nossos destinos. Ainda que o roteirista Andrew Niccol não tenha tido tal “intenção”, tanto é certo que o filme diz isso, que um determinista convicto acharia muita graça da alegria da platéia ao final do filme.

Na filosofia, a polêmica entre determinismo e livre-arbítrio, bastante antiga, é ainda menos antiga que promissora. O filme, que pretendeu tão-somente divertir alguns milhões de cérebros (mais os descansando que os espicaçando, afirme-se), levantou a questão, lá no alto, bola de vôlei acima da rede — quem, porém, poderá cortá-la?

Recomenda o filme o fato fugaz de não ter sido agraciado com aquela estatueta pífia.