A Justiça precisa de um Procon!
Sugiro ao pessoal das produtoras de vídeo que criem um programa para televisão com o tema “erros do Judiciário”. Os erros médicos não proporcionam programas bem populares? Pois podem ter certeza de que tem muito juiz esquecendo a tesoura dentro da barriga de processos por aí.
A bizarrice dá audiência, e aqui poderíamos ter uma bela sessão de utilidade pública, mostrando tenebrosas histórias reais e identificando os problemas que permitiram que elas acontecessem.
Não seria difícil de pautar. Procure com advogados os longos casos que nunca terminam.
Eu conheço um, porque é interno de minha família. No momento, não sei o que posso revelar sobre o caso, então serei vago, mas será possível compreender a situação.
O processo começou em 1994: indenização por atropelamento, contra empresa pública. A vítima quase teve a perna amputada, passou meses no hospital, fez numerosas cirurgias e usou por dois anos um enorme aparelho metálico na perna. Teve enormes despesas e ainda hoje tem sequelas de mobilidade. Muitas testemunhas confirmaram a culpa do motorista do ônibus — e, portanto, da empresa.
Com as apelações, demorou entre 5 e 7 anos para a pessoa ganhar em todas as instâncias. A sentença então finalmente transitou em julgado.
Achou muito tempo? Mas ali apenas uma pequena parte da ação foi realmente executada e paga, algo como 10% do que deveria ser quitado. A empresa começou a encontrar mil brechas para não precisar pagar logo a parte principal. É possível explorar a lentidão dos peritos, os embargos disso e daquilo e, também, contar com a “sorte”.
Ocorreu que, afinal, em 2007, não tinha mais como adiar. O pedido de execução foi para a mesa do juiz e a devida indenização (como já expliquei, julgada em todas as instâncias e já transitada em julgado) teria de ser paga, após 13 anos de processo.
Aí deu-se o milagre! O juiz da execução resolveu… modificar a sentença já transitada em julgado! Abusou de seu papel, querendo corrigir, com uma canetada, aquilo que já tinha sido exaustivamente debatido pelas duas partes e ficado decidido diante dos juízes das diversas instâncias, inclusive acima da sua!
O que ele fez foi mais ou menos assim: para se calcular o valor final da indenização, havia sido determinado um fator igual a 7,5 (a ser multiplicado por certos valores, etc.). Esse foi o número decidido pelos juízes que apreciaram o mérito, ao longo de vários anos. Então esse senhor, que deveria tão-somente reconhecer o caso e proceder à mera execução, resolveu arbitrariamente modificar o valor para 3,5.
O problema nem se trata do fato de ele ter diminuído o valor. Se tivesse aumentado, o problema seria o mesmo. Acontece que ele criou uma novidade à qual a ré se agarrou para fazer o caso continuar se arrastando por mais 5 cansados anos — e ainda não acabou…
O Judiciário precisa de um Procon! Não tem cabimento termos de ficar quietinhos, aceitando esses problemas básicos. No caso, o juiz admitiu, depois, que errou. Só que não é possível desfazer o erro! A excrescência entra na papelada, e a parte beneficiada corre para aspirar o cheiro.
Obviamente, esse erro é apenas uma parte do problema. Peritos demoram horrores e não têm como serem cobrados. Pequenas ou ridículas causas concorrem com a atenção dos magistrados. Incontáveis recursos miúdos se sobrepõem à clareza das decisões mais globais.
Neste momento em que tanta gente está incensando a Justiça por causa do julgamento do “mensalão”, talvez seja interessante colocar o “Quarto Poder” para vigiar mais de perto as barbaridades que ocorrem diariamente nos tribunais do Brasil.