Os jornalistas e o gancho
Os jornalistas são importantes.
E sua imbecilidade vai acabar estragando o mundo.
São importantes porque, de um modo ou de outro, movem a opinião pública. São holofotes que clareiam aquilo que as pessoas olharão.
Porém estão aprisionados na imbecilidade do “gancho”.
Gancho é assim: se um gênio lá do interiorzão faz uma pintura, não é notícia. Primeiro, porque jornalista não entende nada de arte. Segundo, porque não tem gancho. Mas se uma celebridade faz uma tatuagem, tem gancho e vira capa.
Jornalista não descobre mais nada. Fica sentado esperando press-release por e-mail. Se fosse hoje, o festival de Woodstock não existiria sem press-release. Ficaríamos sem notícia até da destruição de Hiroshima, se não encaminhassem um press-bomb-release para os jornalistas.
Como tem 1.000 pessoas querendo virar notícia, o jornalista então recebe 1.000 press-releases. Do alto de sua sabedoria, deve escolher o que vai e o que não vai virar notícia.
Como faz? Pensa no gancho.
Há 6 anos, minha peça “O canto de Gregório” virou notícia. Porque era boa? Nem de longe. Talvez fosse boa ou mesmo ótima, mas virou notícia porque o press-release partiu do Sesc e o diretor do espetáculo era Antunes Filho. E Antunes Filho é uma celebridade. Podem dizer que é merecido – mas é celebridade.
E por que o Antunes é celebridade? Porque começou a fazer teatro quando não havia TV no Brasil. Porque foi aclamado como diretor quando havia uma crítica teatral sólida no país. Porque dirigiu para a TV nos anos 70. Porque n celebridades da TV “começaram com Antunes Filho”. E, enfim, porque ganhou prêmios.
Não sabendo de nada, os jornalistas se prendem a prêmios. O melhor cientista. O que o jornalista entende de ciência? O Nobel de Economia, o Nobel de Medicina: o que o jornalista entende dessas coisas? Pra isso existem os prêmios: prêmios são maquininhas de fazer gancho.
O produtor de minha próxima peça vive me apresentando como “indicado ao prêmio Shell”. Está certo, o que ele vai falar? Do meu estilo? Das minhas ideias?
Por acaso “o cara que pensa isso e aquilo” é gancho que preste?
Pode até ser: se forem ideias extremistas e inconfundíveis. Por exemplo, um cara que grite clamando pela introdução da pena da morte. É preciso ter uma bandeira. A bandeira é o gancho.
Pensamento não é gancho. O raciocínio e a exposição de argumentos não são gancho.
A técnica do artista não é gancho. O faturamento da bilheteria do cinema, este sim é gancho.
Espero que os bons jornalistas me perdoem por este libelo enfático.
E espero que os novos jornalistas não se inspirem naquele cara que enterrou sua rica história de jornalismo cultural para tornar-se gigolô de celebbbridades.
E espero ainda que não me perguntem qual é o gancho para eu ter escrito este tópico.
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