quarta-feira, 19 de maio de 2010

Os jornalistas e o gancho

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Os jornalistas são importantes.

E sua imbecilidade vai acabar estragando o mundo.

São importantes porque, de um modo ou de outro, movem a opinião pública. São holofotes que clareiam aquilo que as pessoas olharão.

Porém estão aprisionados na imbecilidade do “gancho”.

Gancho é assim: se um gênio lá do interiorzão faz uma pintura, não é notícia. Primeiro, porque jornalista não entende nada de arte. Segundo, porque não tem gancho. Mas se uma celebridade faz uma tatuagem, tem gancho e vira capa.

Jornalista não descobre mais nada. Fica sentado esperando press-release por e-mail. Se fosse hoje, o festival de Woodstock não existiria sem press-release. Ficaríamos sem notícia até da destruição de Hiroshima, se não encaminhassem um press-bomb-release para os jornalistas.

Como tem 1.000 pessoas querendo virar notícia, o jornalista então recebe 1.000 press-releases. Do alto de sua sabedoria, deve escolher o que vai e o que não vai virar notícia.

Como faz? Pensa no gancho.

Há 6 anos, minha peça “O canto de Gregório” virou notícia. Porque era boa? Nem de longe. Talvez fosse boa ou mesmo ótima, mas virou notícia porque o press-release partiu do Sesc e o diretor do espetáculo era Antunes Filho. E Antunes Filho é uma celebridade. Podem dizer que é merecido – mas é celebridade.

E por que o Antunes é celebridade? Porque começou a fazer teatro quando não havia TV no Brasil. Porque foi aclamado como diretor quando havia uma crítica teatral sólida no país. Porque dirigiu para a TV nos anos 70. Porque n celebridades da TV “começaram com Antunes Filho”. E, enfim, porque ganhou prêmios.

Não sabendo de nada, os jornalistas se prendem a prêmios. O melhor cientista. O que o jornalista entende de ciência? O Nobel de Economia, o Nobel de Medicina: o que o jornalista entende dessas coisas? Pra isso existem os prêmios: prêmios são maquininhas de fazer gancho.

O produtor de minha próxima peça vive me apresentando como “indicado ao prêmio Shell”. Está certo, o que ele vai falar? Do meu estilo? Das minhas ideias?

Por acaso “o cara que pensa isso e aquilo” é gancho que preste?

Pode até ser: se forem ideias extremistas e inconfundíveis. Por exemplo, um cara que grite clamando pela introdução da pena da morte. É preciso ter uma bandeira. A bandeira é o gancho.

Pensamento não é gancho. O raciocínio e a exposição de argumentos não são gancho.

A técnica do artista não é gancho. O faturamento da bilheteria do cinema, este sim é gancho.

Espero que os bons jornalistas me perdoem por este libelo enfático.

E espero que os novos jornalistas não se inspirem naquele cara que enterrou sua rica história de jornalismo cultural para tornar-se gigolô de celebbbridades.

E espero ainda que não me perguntem qual é o gancho para eu ter escrito este tópico.

Leia também esta surreal história de um escritor sugerindo matéria para um jornalista.

5 comentários :

  1. Heloísa disse...

    O artigo é muito bom. Aborda algo que já é um assunto discutido longamente em lugares onde se reúnem artistas (atores, escritores, pintores e por aí vai) e intelectuais, mas não é uma discussão levada ao grande público leitor dos diários (por questões óbvias). Artigos de blog são um trabalho de formiga, mas as mudanças ocorrem justamente por causa das "formigas" que gritam.

  2. Michelle Ferreira disse...

    Paulito!
    fala do seu gancho, vai!
    fanteastica suas observações! Vou te mandar um release com tudo isso que estou dizendo. Abraços!

  3. Heloísa disse...

    "fala do seu gancho, vai!" [2]

  4. MC disse...

    E gancho de celebbbridade é o quê? Peito, bíceps e bumbum?
    Vixe, pensando bem, não dá para competir.

  5. Anônimo disse...

    Em anos não vi blog melhor do que esse. Nem mesmo artigo tão bom quanto *Os jornalistas e o Gancho*.
    Paulo, quanto aos jornalistas nada saberem sobre ciência, ok... mas do que eles sabem em geral? Falando em prêmios, quais os critérios para atribuição de prêmios para "jornalistas"? O bom jornalista, dentro dos critérios mais tortos, parece ser aquele que reflete em si a mediocridade. Ou, no caso, a opinião média. Que parece ser a própria ignorância inconsciente, cheia de preconceitos.
    No meio acadêmico jurídico brasileiro, buscam construir uma ciencia do direito independente dos conceitos de outras ciencias. Isto com a finalidade de obter uma dita "pureza". Chamam o que consideram como "boa dogmática" de ciência.
    Bem, tudo com a intenção de mascarar a própria ignorância.
    Então, o que os pretensos "intelectuais" sabem sobre Ciência, Lógica e Epistemologia?
    E.v.