segunda-feira, 16 de maio de 2011

Sobre o espetáculo “Limpe todo o sangue”

 

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Assisti a esse espetáculo na última quinta-feira, dia 12 de maio de 2011, no Sesc Consolação em São Paulo. Infelizmente a pequena sala do 3.o andar não permite que ele seja visto por mais pessoas. Creio que os ingressos estão esgotados até o final da (curta) temporada.

Se esse for o caso, guarde esta informação e procure ver a peça numa futura temporada. É obrigatório. Principalmente se você for da área teatral e quiser se inspirar numa das melhores direções que já presenciei.

Não conheço as outras peças do autor Jô Bilac, lacuna que pretendo preencher em breve, mas por esta peça já é possível ver que se trata de um imenso talento, com potencial para ser um dos grandes nomes da dramaturgia. A construção demonstra lucidez estrutural, e os diálogos transpiram aquela poesia que a cena exige. Se ele foi comparado (como ouvi dizer) com Nélson Rodrigues, talvez falte a ele apenas seguir o insuperável conselho desse mestre: “envelhecer”. Com a profundidade que a experiência e o estudo nos concedem, Jô Bilac será capaz de nos trazer textos ainda mais modernos, e duradouros.

O trabalho do diretor Eric Lenate (que já me havia impressionado em suas duas direções anteriores) é o ponto alto dessa obra. Gentilmente, ele leva lá para cima consigo os demais artistas: a presença de quatro ótimas atuações numa mesma peça não pode ser coincidência. Essa afirmação não desmerece o desempenho do elenco: acontece que uma direção desatenta ao trabalho essencial de interpretação (e são muitas assim…) pode fazer com que bons atores fiquem perdidos e tenham uma atuação irregular.

Além de extrair todo o potencial dos atores, Lenate tem uma criatividade interminável. Para cada pequeno “problema” que lhe é oferecido, ele surge com uma solução inventiva, aparentemente sem precedentes. Esses achados são, para mim, uma marca da estética do diretor, que vai além da eficiência.

Não bastando a originalidade e sua direção de atores, ele também dá ao espetáculo o ritmo exato para cada situação, variando entre um andamento de expectativa e uma velocidade vigorosa, sempre para entregar ao espectador tanto a clareza quanto a emoção. Colabora muito para isso a trilha sonora cheia de energia que ele escolheu.

Todos os atores vão bem.

Daniel Tavares teve a difícil incumbência de fazer Pierre, personagem cheio de oscilações, de transformações repentinas de humor e sentido, e que, ao mesmo tempo, é o caráter mais passivo em cena. Um duro desafio, portanto, do qual ele se saiu muito bem.

Mariah Teixeira e Luna Martinelli fazem, respectivamente, Geda e Sabrina, personagens que contracenam o tempo todo, formando um contraste entre uma natureza quase histérica (Geda) e outra um tanto grave e altiva (Sabrina). Elas não permitem que essa relação caia na caricatura. Sabrina é a responsável pela transformação da personagem Geda, e o faz de forma convincente. Mariah Teixeira abusa do texto para, com um estilo cômico, criar os momentos mais engraçados da peça.

Ed Moraes é excepcional no papel de Wilson, personagem condutor do enredo da peça. Trabalha em dois registros distintos: um, mais constante, em que prevalece o trabalho gestual, e outro, esporádico, em que prevalece o vocal e que é quando ele parece “sair” temporariamente da personagem — ou será que nesses momentos, na verdade, ele está “entrando”? Não sabemos quem é o verdadeiro Wilson e quem é a máscara. Ou, mais provavelmente, são duas as máscaras. E é nessa dança que está o coração do espetáculo, bem como em sua transformação de um medroso perdedor submetido aos acontecimentos para um caráter ativo, arrojado — mas potencialmente suicida.

Espero que o espetáculo tenha vida longa!

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