segunda-feira, 27 de agosto de 2012

“Onde estivestes de noite”, Clarice Lispector

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Primeiro, um reparo superficial, mas que causou algum impacto negativo em minha leitura: desejando ler um romance de Clarice, guiei-me pela ficha catalográfica da edição da Nova Fronteira ("Romance brasileiro") e comecei a ler. Com a leitura percebi que se tratava de contos independentes. Mas, sendo Clarice, não havia por que nem como não prosseguir.

Considero um livro bastante irregular de Clarice. O manejo verbal é, claro, constantemente primoroso, mas pelo menos metade dos contos realmente não me agradou pelo desenvolvimento das ideias e pelas temáticas tratadas.

Se não for ousado demais dizer, parece-me um lançamento decorrente da pressão editorial por um volume. Lembro-me de que pensei o mesmo com um livro póstumo de Guimarães Rosa, em que enfeixaram tudo que ele quis esquecer dentro da gaveta e o resultado foi um trabalho bem inferior aos demais do autor.

Sinceramente, não me parece caber na embocadura da autora a brincadeira de referencial pop que ela insiste com exagero em determinados contos - sendo "O relatório da coisa" um dos maiores exemplos. Para mim, só funcionou no bom texto inicial, "A procura de uma dignidade", com a velhinha apaixonada por Roberto Carlos, citação única e delicada.

"A partida do trem", segundo conto do volume, também é ótimo, e dos mais representativos da consagrada feminilidade de sua imaginação.

"Seco estudo de cavalos" é inteligente e bem realizado.

"Onde estivestes de noite" foi dos que menos me agradou. Infelizmente não consegui vibrar na mesma frequência.

A partir daí, seguem basicamente contos bem breves.

O conto antológico deste livro é "Esvaziamento", uma breve abordagem sobre detalhes da "amizade", com tudo o que pode existir de profundo e de vazio nessa relação.

Dois curtos contos merecem menção também: "As águas do mar" e, principalmente, "Uma tarde plena", em que lemos sobre a singela presença de um saguim num ônibus, e temos alguma reminiscência do célebre conto "Uma galinha" (do livro Laços de Família), uma das maiores criações literárias que conheço.

[Resenha também publicada no Skoob.]

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