terça-feira, 2 de outubro de 2012

Uma reflexão política

politico-charge (1)

Leia sem medo esta reflexão política: não estou fazendo propaganda de nenhum partido ou candidato.

Em primeiro lugar, faça por favor um “teste de personalidade política”, considerando as afirmações abaixo:

1. O mensalão existiu.
2. Por causa de “1”, não se deve mais votar no PT.
3. A compra de votos para a reeleição de FHC existiu.
4. Por causa de “3”, não se deve mais votar no PSDB.

Os itens 1 e 3 podem ser considerados controversos porque são factuais. Não temos acesso direto aos fatos para saber exatamente se e como ocorreram — embora exista um certo consenso de que os indícios são muito fortes tanto para 1 como para 3. É comum que petistas recusem 1 e concordem com 3, enquanto tucanos fazem o inverso. Podem todos ter seus motivos para isso (mas não é o que discuto).

Já os itens 2 e 4 são de certo modo ideológicos. E requerem uma lógica: é contraditório uma pessoa concordar com um deles e não concordar com o outro. Ou você concorda com 2 e 4, ou você discorda de ambos simultaneamente. Uma pessoa que concorda com 2 e discorda de 4 é tucano fanático. Uma pessoa que concorda com 4 e discorda de 2 é petista fanático.

Um exemplo: eu concordo com 1 e 3 (ou seja, acho que o mensalão e a compra de votos aconteceram), mas discordo de 2 e 4 simultaneamente (ou seja, acho que tais fatos não são impeditivos de se votar no PT ou no PSDB). Sendo assim, eu não coloco a discussão num nível partidário-eleitoral.

Grupos de pessoas são sempre heterogêneas. Minhas escolhas seguem critérios algo complexos. Eu nunca votei em Fernando Henrique, mas sempre votei no Mário Covas, do mesmo partido. Eu já votei no José Genoíno, mas nunca mais votarei nele — o que não quer dizer que eu não possa votar eventualmente em outros candidatos do PT. Para cargos legislativos, já votei em pessoas e já votei em partidos. O que me interessa prioritariamente são propostas políticas e contexto.

Praticamente tudo o que é bombardeado na mídia tem objetivos políticos. A ideia é fazer as pessoas “simplificarem” seu pensamento, que deveria ser mais complexo: “no PT da corrupção não dá pra votar”, “no Serra do partido da privataria não é bom votar”, “no Russomano da Universal não se deve votar”, etc.

Eu não simplifico. E também não voto nulo: outra “simplificação” alardeada — e aliás completamente mentirosa — é de que os votos nulos podem anular a própria eleição. Isso não é verdade. Se duvida de mim, pesquise na lei, consulte um advogado de confiança, etc.

Eu não voto nulo porque quero participar. Vivemos numa democracia, e este texto que acabei de escrever tem o objetivo de reforçar a democracia — não importa quantas pessoas o leiam. Porque estou tentando colaborar para que mais pessoas votem com consciência, sem alienar suas decisões para as simplificações.

E acredito que há muitas pessoas como eu, fazendo suas pequenas partes, professores que ensinam a pensar, associações que lutam pelos mais discretos direitos, indivíduos que fiscalizam os processos eleitorais, etc. Isso é muito mais válido que apenas ficar sentado numa cadeira só pichando: “os políticos são todos iguais”.

Considere os fatos. Leia diferentes fontes. Verifique se sua mente não foi atingida por uma generalização. Ouça os candidatos falarem. Se você já definiu seu voto, tente entender por que seu amigo vai votar no adversário. No dia de votar, denuncie se notar qualquer irregularidade (boca de urna é proibida, por exemplo).

Faça sua parte. No fundo, todos (ou quase...) queremos ver o país melhorar.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Festa dos Intelectuais

Uns 10 anos atrás, escrevi uma crônica, achei divertida e mandei para o Millôr. Ele publicou no site dele do UOL, na seção de Colaborações, com o seguinte comentário:

"Excelente este envio de Paulo Santoro, que chamo de paronomasía (com acento no i) à falta de palavra mais precisa, no momento. Quem lembrar, me mande. Todos os nomes paronomisados são referências literárias. Assim, quem não fôr do ramo, não perca seu tempo. Clique outra. Este saite tem de tudo. Em alguns pontos tem até de nada. Obrigado, Santoro. M."

Só pude me encher de contentamento pelo elogio de um dos caras que eu mais admirava... desde que ele morreu estou para resgatar isso por aqui. O texto vai abaixo. Meu título era "Festa dos Filósofos", mas Millôr achou melhor "Festa dos intelectuais". Quem sou eu para discordar?

FESTA DOS INTELECTUAIS

A casa onde se daria o tertuliano ficava logo após a ponte spencer. Muitos convidados chegavam em Condillacs, outros em tradicionais freges a cavalo, que vinham em rápido trotsky. Outros em modestos Santayanas, que estacionavam perto da xenofonte. Belíssimas, as mulheres usavam peirces ou qualquer outro adorno nas orelhas, com exceção das empregadas, em averróis brancos. Os homens, elegantes em alinhados jaspers, achavam que eram os tales. Mas os calvinos, hipócrates, usavam chapéus.

Na entrada, todos degustavam um espumoso malebranche.

Chegou o momento da ceia. Depois de servirem condorcet com bacon, só se ouviam o chomsky-chomsky e os goles no licor de cassirer. Na mesa de descartes, uma animada partida de bataille, embora algumas mulheres tivessem schlick. Ao fundo, um epicteto tocava música popper.

Depois da ceia, os homens ficaram empédocles, conversando no teofrasto. As mulheres subiram à campanella, onde se detiveram bastante tempo antes de voltaire. A festa era em prol dos portadores de leucipo.