segunda-feira, 29 de setembro de 2008

A imaginação voltou


Gosto de fazer prospecção nas livrarias atrás de frases e parágrafos, quem sabe encontro uma novidade de porte.

Folheei Play sem motivo algum: a capa é boa e elegante, mas não especialmente atrativa. E eu não conhecia o autor Ricardo Silvestrin, apesar de orelhas e prefácios afirmarem que ele já era "bem conhecido" por suas poesias e por publicações para o público infantil.

Chegou ao público adulto em boa hora.

Incensar autor recém-lançado é uma jogada de risco, mas tenho aqui pra mim que ganho a aposta. A literatura brasileira estava parada desde os anos 70, quando foram publicados A hora da estrela, Lavoura arcaica e O cobrador.

[Para afirmar isso, fucei neurônios e prateleiras e infelizmente não achei nada. De repente faltou me indicarem alguma coisa, se alguém lembrar por favor me escreva.]

Passados trinta anos, aí está um autor com muitos talentos. Ele tem escrita, imaginação e pulso. Está antenado: como artista sabe que precisa ser profundo, como homem do século XXI sabe que precisa comunicar rápido.

Foi como me laçou na livraria. Em cinco linhas já disse cinqüenta páginas — lança-nos num universo diferente sem explicar nada, a gente que se vire. Olhe este comecinho de conto:

O rei já foi bem claro. Qualquer suspeita de traição será resolvida de uma maneira bem simples. O acusado será jogado aos leões. Dou carne aos leões. Trato-os todos os dias com braços, pernas, cabeças e um pouco de água.
Que rei? Que leões? Quando? Onde? Quem poderia trair? Amigo, estamos em 2008, não dá tempo de ficar falando coisas óbvias... é um rei, ora! Tanto faz de onde, tanto faz quando. Se alguém o trair, será jogado aos leões. É tudo o que você precisa saber para prosseguir na leitura desse conto surpreendente.

Os temas de Silvestrin revelam o autor e, às vezes, revelam também o leitor. Eu não conhecia o Silvestrin, mas o danado me conhecia. Vá ver se ele já não conhece você também.

Não tenham receio, Silvestrin não é bêbado, não é escritor de guardanapo, não é amigo da garotada. É crítico, não revoltado. É inteligente, não esperto. Tem postura, não pose. Tem imaginação, não alucinação. Domina as ferramentas narrativas e idiomáticas, sabendo o momento e o modo de subvertê-las.

Isto não é resenha para contar as coisas que acontecem nas histórias, até porque quase todos os contos são bem curtos e já já este texto fica maior que alguns deles. Somente quero ter o gosto de apontar alguns dos títulos. Em minha leitura, os contos mais expressivos são "Preto no preto", "Leões" e "Play", embora sejam de primeira linha os rápidos "O filme", "Conversação" e "Gaiolas".

Que bom para nós que ele é brasileiro e escreve em português. Que pena para ele.

2 comentários :

  1. Anônimo disse...

    Lorenço Mutarelli, catso!

  2. Paulo Santoro disse...

    Who is this?