quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Weeds — outro nível de TV


Se você detesta TV, não há como condená-lo. A programação sempre fez por merecer esse sentimento.

Somente Groucho Marx considerava a televisão um dos instrumentos mais educativos que existem, pois, sempre que alguém a ligava, ele saía da sala e ia ler um livro em outro lugar.

Sugiro, porém, que você dê uma chance para Weeds. Não existe nada igual na TV.

No começo de setembro, encerrou-se nos EUA a quarta temporada da série. A ótima notícia é que muitos "fãs" estão decepcionados com os rumos que a história tomou este ano.

Isto é uma boa notícia porque é uma conseqüência direta do fato de Weeds ser tão incomum. Os roteiristas, liderados pela criadora Jenji Kohan, não estão nem aí para as "expectativas" do telespectador mediano. Pelo contrário, apostam continuamente na surpresa e na notável verdade por trás de personagens e situações.

Além de entretenimento, vejo Weeds como oportunidade. Explicarei.

É normal e aceitável o relacionamento que as pessoas têm com séries de TV e até mesmo com telenovelas. Ali vemos um mundo mais organizado.

Tomemos como exemplo outro seriado atual de sucesso, House. Não tem a dimensão de Weeds — ali é TV mesmo, muito bem realizada, mas ainda TV. É um entretenimento muito divertido, baseado na personalidade do protagonista (cínico e sarcástico) e no mistério por trás de cada enfermidade misteriosa que precisa ser descoberta para salvar um paciente.

As premissas desse seriado são assumidamente fantasiosas. Não existe um hospital no mundo que receba, regularmente, pacientes com doenças tão raras. Não existe um médico com tanto talento e conhecimento sobre-humanos. Não existe uma instituição que aceite um médico que desobedeça tanto os códigos éticos estabelecidos (mesmo que seja para "salvar vidas").

Mas como seria legal se existisse tudo isso! Então está tudo lá em House. Assistimos porque sabemos que um novo episódio, apesar de ter um conteúdo geral diferente dos anteriores, repetirá a mesma fórmula tão agradável. Não teria o menor sentido se o doutor House fosse demitido ou se aposentasse e virasse um roqueiro.

Não é à toa que isso é explorado ao longo da história: House já foi seriamente ameaçado de demissão, já foi preso, já foi diagnosticado com doença incurável, já foi acometido de problemas sérios que diminuíram sua capacidade de curar... tudo como suspense para "assustar" os fãs com a possibilidade de quebrar esse mundo bonito e estável.

Claro que tudo isso foi sempre reversível. A quinta temporada começou semana passada nos EUA, e lá estava o doutor House no primeiro episódio, resolvendo mais um caso médico espantoso.

Agora voltemos a Weeds. Aqui não há nenhum nível de fantasia. A personagem principal, Nancy Botwin, fica viúva prematuramente e não sabe como ganhar a vida para educar os dois filhos. Por certa circunstância, ela começa a vender maconha.

Em Weeds, não temos o direito de nos afeiçoar pelos personagens e nem pelas situações. Eles aparecem e desaparecem com a mesma dinâmica que ocorre na vida. Um personagem carismático como o vivido por Martin Donovan não será salvo da morte em decorrência de nenhuma pesquisa de mercado. A engraçadíssima personagem Alison fica em cena por quatro episódios na primeira temporada e depois desaparece. Os personagens Conrad e Heylia, absolutamente centrais durante três temporadas, são dispensados sem nenhuma cerimônia na quarta. Muitos "fãs" estão inconformados. Eu mesmo gostava muito deles. Mas e daí?

Esta é a oportunidade em Weeds.

É um ótimo momento de treinarmos, como espectadores de uma série de TV, para sabermos aceitar também a vida como ela é...

Claro que na vida batalhamos e devemos batalhar, mas com certas coisas somente podemos aprender a lidar.

Uma gravidez, uma morte, uma revelação, ou simplesmente a mudança e o crescimento das pessoas à nossa volta, tudo isso são coisas que não podemos, como crianças mimadas, tentar enfrentar apenas dizendo "não deveria ter essa morte", "não deveria ter essa mudança".

O mais criticado "problema" da quarta temporada de Weeds é a mudança de Nancy, que abandonou o incendiado subúrbio de Agrestic e passou a morar em Ren Mar, na fronteira americana com o México.

É uma lamúria de quem quer encarar tudo o que passa na TV como se fosse o House. Mas em House a manutenção do cenário é coerente com a perspectiva fantasiosa de um mundo ideal e bem organizado para nosso deleite, premissa generalizada nos seriados, em que casais brigam de mentirinha durante anos sem nunca se separarem, em que amigos são sempre friends não importa o que aconteça.

Já em Weeds é outra a situação. No início da série, alguém poderia pensar, por exemplo, que Dean e Celia Hodes fariam para sempre o papel de casalzinho hipócrita, que se mantém junto por fachada. Seriam muito divertidos assim — porém irreais. Eles aqui se separam rapidamente e a relação conturbada se dá em especial por causa da filha Isabel...

Aos que são fãs dessa série fantástica, e aos que se tornarão fãs, aproveitem e façam um exercício: assistam sem expectativas, como quem contempla o horizonte. Deliciem-se com esse biscoito fino, que consegue conjugar cenas hilariantes e momentos de tocante sensibilidade.

Você não vai encontrar esse divertido "treinamento para olhar a vida" em nenhum outro lugar da TV!

1 comentários :

  1. gustavo disse...

    sem tirar nem por !!!!