quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Kafka e a boneca viajante


A editora Martins está publicando o livro Kafka e a boneca viajante, de Jordi Sierra i Fabra. Para quem gosta de prêmios, ele vem com o selo do Ministério da Espanha pelo Prêmio Nacional de Literatura Infantil e Juvenil. Quem não se importa com prêmios, continue lendo a seguir.

Eu daria este livro de presente para a minha sobrinha de 11 anos. Talvez ela o lesse depois de terminar a série Harry Potter.

Há aqui um belo truque. Parece que, um ano antes de morrer, Franz Kafka conheceu uma menina bem pequena na praça. Sua boneca tinha sido irremediavelmente perdida. Kafka inventou de contar uma história de Papai Noel para ela: a boneca, na verdade, tinha se emancipado, tal e qual ocorrem a todos que crescem, e andava pelo mundo viajando. Felizmente ele era um "carteiro de bonecas", e tinha para ela uma carta da boneca Brígida.

Segundo se diz, durante três semanas, Kafka, em vez de se apressar para terminar O castelo, ficou escrevendo cartas da boneca da menina, para consolá-la. Todo dia eles se encontravam na praça e Kafka lia a última carta "recebida".

Teve gente que foi atrás dessas cartas... quem sabe seria possível achar a menina crescida, com essa preciosidade numa caixa enfurnada?

Mas nada se encontrou. Aí é que entra o truque do nosso Jordi. Ele se pôs a contar essa história toda, e até mesmo a escrever pedaços dessas cartas possíveis.

Com uma oportunidade desse tamanho, lamento que o livro seja apenas bom. Não podia. Com essa idéia, era obrigação fazer um livro excepcional. Faltou imaginação (nem precisaria ser kafkiana) para criar uma obra rica para jovens e ao mesmo tempo agradável para os adultos.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Paradoxos, também no Orkut

O paradoxo que imaginei uns dias atrás (e aqui postei) foi mais comentado no Orkut, numa comunidade específica sobre paradoxos. Por mais que o Orkut tenha se abrasileirado, esta é uma das poucas que resistiram em inglês (um tanto irônica uma situação em que manter o inglês significa "resistir").

Quando foi feita a página de internet sobre O canto de Gregório, escrevi uma resenha especial sobre paradoxos — um apontamento agradável sobre os tipos mais clássicos.

domingo, 17 de fevereiro de 2008

Evolução da música

O dodecafonismo é a técnica de fazer uma música se tornar 12 vezes mais cafona.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Solução para a insônia

Tento dormir e não consigo.

A teoria me explica que eu não devo tentar dormir, pois isso caracteriza "hiperintenção". A solução é a "intenção paradoxal", ou seja, tentar não dormir, com a qual se aliviaria a ansiedade da tentativa de dormir e se chegaria, enfim, ao sono.

Então eu me deito, me arrumo, fecho os olhos e me ordeno:
- Não durma!
Mas logo em seguida me respondo:
- Então... o que é que estou fazendo aqui deitado?

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Uma questão

Se eu luto contra meu ego, e venço — deveria ficar envaidecido?

domingo, 10 de fevereiro de 2008

Contra uma parábola moderna


Recebi uma vez uma dessas parábolas que correm a internet, uma historinha "significativa" (e em geral "edificante"), e guardei, porque ela me intrigou. Finalmente resolvi escrever contra ela. Não é que eu não goste de mensagens edificantes. Gosto até muito. O que eu não gosto é de histórias que induzem a uma moralidade controversa. Mas vamos primeiro à historinha, depois aos meus comentários.

É a história de uma certa Karina, apaixonada pela dança e pelo Ballet Bolshoi. Só pensava nisso, etc. "Um dia, Karina teve sua grande chance", diz o texto original da parábola. Foi participar de uma seleção de aspirantes à companhia. Empenhou-se ao máximo no teste e em seguida perguntou ao respeitado diretor se ela poderia se tornar uma grande bailarina. O homem respondeu que não. Ela, portanto, desistiu de seu sonho, tornou-se professora de ballet e, muitos anos depois, foi assistir a uma apresentação do Bolshoi. Criou coragem para ir conversar com seu algoz, depois do espetáculo, e disse a ele o quanto doera aquele "não" que ouvira dele. Aí é o momento máximo da história. "Mas eu digo isso a todas as aspirantes." Karina ficou revoltada, surpresa, etc., reclamou de que foi injustiçada por ele. E então o diretor responde com a moral da história: "Perdoe-me, mas você nunca poderia ter sido grande o suficiente, se foi capaz de abandonar o seu sonho pela opinião de outra pessoa".

É só uma história. Mas não é apenas uma história: é construída para erigir uma moralidade. O que é irracional é a pretensa universalidade da moral indicada.

Há muitas maneiras de contestar a moral dessa história. Vou experimentar a seguinte. Perceba que, no momento em que ela pergunta se poderia se tornar uma grande bailarina, ela e o diretor não falam a mesma língua. Ela não está pedindo que sua "vontade" seja desafiada. O que ela quer é uma avaliação técnica de um especialista.

Se o diretor diz "não" a todas as aspirantes, por que deveríamos considerar que ele está agindo como um sábio? As pessoas são muito diferentes, e ele está tratando todas da mesma maneira.

Existe a falsa crença moderna de que, "com vontade", podemos ser o que quisermos. Então aparece o exemplo do paraplégico que venceu na vida como pintor, como professor, como prêmio Nobel de economia. Sem dúvida, pessoas paraplégicas podem se tornar grandes vencedores em inúmeras áreas. Mas eles não podem ser jogadores de futebol. E não apenas os paraplégicos: existem incontáveis pessoas que não têm o talento necessário para se tornarem bons jogadores de futebol, por mais que insistam. Pense que pode haver milhares de pessoas que se empenharam tanto quanto o Gustavo Kuerten para se aprimorar no tênis. Ele chegou a ser número 1 do mundo nesse esporte porque, além do empenho, ele tem o talento. É necessário talento e empenho.

É estranho que esse "sábio diretor" acredite que o empenho baste. Agindo dessa forma, ele está apenas desmerecendo a própria técnica de sua arte.

Mas é evidente que eu não acredito que um diretor do Bolshoi tenha realmente protagonizado essa peripécia. Tudo isso não passará de uma historinha, inventada para promover uma moralidade de gosto duvidoso.