Como se defender da difamação
Felizmente não preciso falar do assunto por experiência própria (por enquanto). Vou comentar a brilhante introdução de Demóstenes em seu discurso A oração da coroa.
Estou começando o livro e não faço idéia da inocência de Demóstenes no caso que o fez elaborar esse discurso. O que importa é o permanente interesse de sua introdução.
Talvez esperássemos que um pensador se concentrasse nos fatos, nas leis, no raciocínio e desprezasse as preocupações retóricas ao discursar. Essa postura seria obviamente ingênua. (Assim como a atitude oposta — privilegiar a retórica sobre a verdade — é completamente obscena.)
O correto é focar no essencial. Mas há um detalhe: embora o essencial sejam os fatos, as leis e o raciocínio, é preciso um "truque" para fazer o ouvinte realmente focar nesses elementos — o tratamento retórico do discurso.
A introdução de Demóstenes contém exemplos bem ilustrativos dessa postura.
Primeiro ele mostra que ele e seu acusador, Ésquines, estão correndo riscos muito diferentes no processo. Se o adversário sair derrotado, perde somente uma causa. Se Demóstenes for derrotado, perde a honra.
Com esse argumento, ele mostra que, embora os jurados devam ser equilibrados, é necessário que tenham particular atenção à sua defesa. De certa forma, é como se lançasse mão da máxima in dubio pro reu, ou, para combinar com este blog, o "benefício da dúvida".
Num segundo ponto de sua introdução, parece que ouvimos o grego falar do bar da esquina, dos pátios, dos elevadores. Segundo ele, as pessoas são "propensas a ouvir com mais deleite a acusação do que o louvor em boca própria".
Essa observação é muito bem desenvolvida. Ele raciocina que, caso deixe de falar de si mesmo e de suas obras, fará parecer que não tem argumentos para refutar a acusação, e, por outro lado, se ficar falando de si mesmo, poderá ser visto como arrogante. Neste ponto, ele é direto: o fato de ele precisar falar de si próprio é culpa do acusador, que, abrindo o processo, obriga-o a isso.
Com esse argumento, Demóstenes objetiva fazer os jurados tomarem consciência da natural aversão que se tem aos que elogiam a si mesmos. Ele faz os jurados pensarem: "É verdade, não aprovamos os que elogiam a si mesmos. Porém está claro que esta é a única forma de o réu, aqui, se defender. Portanto, suspenderei momentaneamente essa aversão e ouvirei suas razões com isenção, sem o considerar arrogante".
Isso mostra como, em muitos casos, não basta falar a verdade, mas deve-se também preparar o interlocutor para saber ouvi-la.